O personagem vinha da política de direita decidira-se a ser escritor, à esquerda. Estava por isso trancado em hotel com mar à vista a escrevinhar o seu livro, que a crítica «progressista» recebeu então com tolerante amabilidade. Eu acabara de estacionar o carro e vinha de saca às costas para um fim de semana, ainda a ruminar as últimas indigestões profissionais do dia. O porteiro, cumprimentador e obsequiador, achou que um tipo como eu tinha direito a compartilhar do segredo local: «o senhor professor está cá, com as suas escrituras!». Espantosa palavra para aqueles escritos, «escrituras». Como, com ironia e sumo de limão, disse uma vez um notável político que já se foi, dirigindo-se a outro que ainda por cá anda: «Ó F. você também tudo o que diz, cheira a papel selado!». Já agora: o homem teve sucesso, hoje é muito ministro, o «escriturário» claro, pois o outro continua porteiro e eu ruminante.