Ter acordado enfim mais cedo com o propósito de conseguir ler. Tomar em mãos o «Diário Remendado» do Luiz Pacheco, comprado há uma semana e atacar, sôfrego, a leitura. Rir por antecipação com a dedicatória a um respeitosamente «senhor doutor» postfaciador, e lembrar quanto o autor o gozou, de soslaio, numa entrevista recente a propósito do dito livro. Sublinhar no que se leu uma frase, das muitas frases sublinháveis. Pacheco é um anarco-bombista da literatura. Libertino das letras, lançava petardos e mandava cartões de pêsames a alguns mortos-vivos da sua especial predilecção. Muitos dos que o lêem são dos que ele diz em ironia que, ao conhecerem um escritor «um tipo que escreve», na altura «não se arreceiam que caiam sob a mira de um não-qualquer, mas duma máquina ou aparelhagem virada para a curiosidade, a perplexidade, o jogo, a provocação e tudo isto com fins práticos, de criar a vida pela escrita». Acordar cedo e sublinhar «criar a vida pela escrita». Tomar banho, sair à rua, o livro como companhia, esganado de vontade de escrever, remendadamente.