Por estranho que pareça aos que julgam que me conhecem eu tenho os quarenta e cinco volumes da obra completa do Vladmir Ilitch Oulianov, vulgo «Lénine», naquelas edições de Moscovo, encadernadas, e que na capa de cada volume tinham ainda fotografia do dito, ao longo dos anos em que viveu; edições, diga-se, prefaciadas pelo Roger Garaudy que, entretanto, caíu em desgraça. «Lénine», como se sabe era jurista e muito do que escreveu ainda no seu país resultava de livros que a paciente irmã requisitava na Biblioteca da Ordem dos Advogados russos. Meticuloso, registava, o tempo de viagem de cada livro, de Moscovo para a Sibéria, mais o tempo que levaria a lê-lo e atirava-se dia e noite à leitura, aproveitando o tempo até ao limite da exaustão. Lembro-me hoje disto, talvez pela exaustão. Mas lembro-me sobretudo porque acho que foi num dos volumes finais, dos que ainda consegui ler, que ele diz, numa carta, que a actividade intelectual deve ser como a actividade física: nem sempre correr, nem sempre marchar, urge intervalar o esforço e o descanso. Ora eis o que esta noite eu estou a fazer: exercícios de musculação oftálmica, para tentar manter os olhos abertos, ante que caia de sono, como se nota aliás pelo estilo meio desconexo do que aqui fica. Amanhã, melhor dormido, talvez melhor.