Ali estava ele, em Estremoz, a peliça de serrubeco para não rapar mais frio do que por ali lhe rondava a ossada e o reumatismo, gola soerguida a esconder-lhe as fauces, o vendedor de criação. Numa gaiola improvisada, feita do que já fora um caixote, uma rede de arame a fazer de portinhola, umas quantas galinhas sonolentas e um galo altivo. Caracoleante galo, esse, com tudo o que um da sua espécie precisa para mostrar altivez: crista eriçada, barbilhões vermelhuscos, esporas afiadas, e sobretudo aquele voltear soberbo de cabeça, como os cegos em busca dos sons. Havia na proliferação de cores das suas penas todo o cromatismo do que nasce para viver. «Atiradiço, não?», perguntei, afirmando, vendo uma das galinhas quase careca à força de tanta bicada no acto de a galar, que nele se adivinhava vicioso. «Parece que sim», veio-me como embaraçada resposta. Saí dali com uma valente constipação e na cabeça com duas dúvidas quanto à arte de bem falar a língua que é a nossa. Primeiro, porque não se chama galinheiro ao que vende galinhas; segundo porque se chamará galar ao coito dos galináceos, verbalizando o substantivo masculino como meio de designar a coisa. Falássemos de gatos e dir-se-ia gatar. Em português é muito frequente, gatar, naturalmente.