Eu sei que é uma vergonha: mas detestava o Jorge Luís Borges só porque um desses arrogantes peralvilhos da nossa cultura, impante de opinião pomposa, o idolatrava. Só que nunca o tinha lido. Hoje, indiferente ao meio, qual cego, descobri-o, tacteando-o. Confesso o meu sentimento de reprovação para com o meu passado vergonhoso. Ando a juntar, livro a livro, cada um dos seus livros e os livros sobre a sua pessoa. Aqui na Feira do Livro de Faro vendia-se o pobre do Borges integral e traduzido a metade do preço. Recusei comprar. Trouxe, para acabar de o ler o «Borges verbal», colectânea de citações, algumas talvez apócrifas, compiladas por Pilar Bravo. Leio-as, por vezes acrítico de maravilhado a essas frases desconcertantes. Arrependido do tempo perdido, rio-me, como se de mim, de uma piada deprimente que circulava em Buenos Aires a seu respeito e que ali vem citada no prefácio: «Borges é uma das provas da inexistência de Deus. Porquê? Porque se Deus realmente existisse, tê-lo-ia feito mudo e não cego».