«Não me lembro de nada anterior aos livros». Quem o diz é Cruz Santos, um homem que viveu no mundo da edição. Cada vez são menos estas pessoas que ao livro dedicam uma vida sacrificada. Encontrei outro dia um desses, alfarrabista filho de alfarrabista. Ali andava ele de feira em feira, entre os gananciosos das primeiras edições, e as viúvas a desfazerem-se, envergonhadas da sua miséria disfarçada, do que restava na defunta estante lá de casa. Quantas vezes me dói quando vejo, no adelo da vida, uma dedicatória amorosa que o destino atirou para o acaso de alguém que a lembre. Salvei muitas e guardo-as no silêncio recolhidas da minha livraria, devoções a indiferentes, amores esquecidos, na forma de um autógrafo sentido.