Lembro-me. Era um adolescente, estudava o liceu em Viseu e queria ser culto. Por isso lia na Biblioteca Municipal coisas que não entendia, requisitava na carrinha biblioteca itinerante da Gulbenkian livros que o funcionário me perguntava se eram para algum outro, mais velho. Mas lembrei-me hoje de quando íamos, pelo fim da tarde, a pé, perto precisamente da Biblioteca, esperar, ávidos de saber, a camioneta que trazia os «jornais de Lisboa». Àquela remota província chegavam, atados, vindo da longínqua e inacessível capital do saber. Disputavam-se os poucos exemplares. Depois, eram uns velhotes de ar endurecido e desconfiado a esconderem, conspirativos o «República», debaixo do casaco, nós, uns jovens vaidosos de atrevimento, a mostrarmos orgulhosos, no café, que líamos o «Diário de Lisboa». Tudo isso já acabou. Já acabou o «República» do Raúl Rego, o «Diário de Lisboa» do Ruella Ramos, o «Século» do Pereira da Rosa. Já acabou o «Diário Popular», já acabou «A Capital». Hoje voltei aos meus tempos do liceu em Viseu. Vou esperar aqui em baixo que cheguem os jornais de Lisboa, para que não esgotem. A diferença é que eu estou em Lisboa, são todos em muitos exemplares e eu não sei se ainda tenho a mesma alegria ao trazê-los para o café.