Continuo a ler, aos poucos, os diários do José Gomes Ferreira. Claro que não é a «Memória das Palavras». É um livro que tem o que de irritante e medíocre acontece na vida quotidiana de cada um de nós, mesmo dos que são geniais. Ainda por cima trata-se de um escritor que se confessa um «resignado ao marxismo» e que acabou por ser sacralizado pelos marxistas. Depois, é tudo muito mesquinho de rancores e cego de amores, triviais os afectos. Esqueço, porém, tudo isso. Rara é a folha onde não está uma frase inteligente, que dá sentido à vida, anima e faz companhia. «Envelhecer é construir a juventude voluntária que, embora a gente nova por lei da natureza não acredite, vale quase sempre mais do que a outra, a involuntária». Hoje de manhã, cansado, meio sem norte quanto ao que fazer e com tanto para fazer ainda consegui chegar à página oitenta, onde ele fala do «comércio amável de curvejos em que se resume a vida literária portuguesa». E acrescenta «de curvejos e de coices».