4.12.06

Adeus!

António Gedeão foi um poeta precoce aos cinco anos, que só recuperou o dom notável da escrita pela meia idade. Aos oitenta iniciou um diário, fechando-o dez anos mais tarde, após mais de mil e cem páginas, em 35 linhas, com um espaço em branco no final para a data que fosse a da sua morte e, a rematar, a palavra tão nossa: «Adeus». É um testemunho a pensar nos seus tetranetos, para que eles tenham ali, em folhas de papel pautado, uma imagem do mundo que ele viveu.
Soube-o este fim de semana pelo JL, que de quando em vez ainda consigo ler.
Foi no Jardim da Estrela, entre velhos vagueantes, para quem o preço do café ter baixado cinquenta cêntimos teve o sabor de uma alegria domingueira. «É agora no Inverno» explicava a senhora do balcão, «porque isto tem estado fraco», justificava-se. A meu lado, dividida entre o colesterol e a gulodice uma avó olhava para uns vistosos brigadeiros, impantes de chocolate. «Leve um para o lanche», incentivava-o, solícito, o empregado. «Não o consigo comer todo sozinha», respondeu-lhe ela. Ficou-me no ouvido a palavra «sozinha», enquanto alçado numa cadeira pernalta num canto escondido do café lia: «uma das características da vida actual é o desamparo, a solidão, o desapego, a monotonia, a indiferença, o cansaço».