Zangado com o José Gomes Ferreira e comigo por isso irritado, encontro-o hoje, domingo de tarde, a prefaciar «O escritor confessa-se», que recomecei a ler, a cidade vazia de portugueses. Aquilino, é um lugar comum dizê-lo, brinca com a língua portuguesa, como alguém que às escuras se passeia, insone, por uma casa da qual conhece todos os escaninhos.
Hoje de manhã, surpreendi-me a desejar escrever aqui sobre cada uma das palavras que nele encontro e antes desconhecia ou nem supunha que pudessem sequer surgir-me assim nessa inesperada pragmática. «Pois que fora marítimo quando moço, resultara daí conservar maneiras assimétricas e a brusquidão de quem medrara sobre o balacé dos saveiros e ao encontrão dos homens das companhas», escreveu sobre o padre prefeito do seminário de Beja, por onde estiolou, famélico, a tonsura adiada.
Lê-se e com um amargo de boca, sabendo quanto piores estamos, admitimos que já não se escreve assim; pior, já não se vive uma vida que permita escrever assim; pior ainda, já quase nem há, «alimárias claudicantes» em que nos tornámos, quem consiga entender que a vida pode ser vista inteligentemente assim. Inútil o navegar, o português perdeu a inesperada assimetria, esparramaçado no lodaçal previsível da monotonia de maneiras.