12.1.08

O eu falar de mim

Li-as durante a noite e consegui-o, as 262 páginas do livro de Maria Luísa Blanco, de «Conversas com António Lobo Antunes». Livro emprestado, folheado meticulosamente, está pronto para ser dado de volta, imensamente grato, ao seu dono.
A autora é espanhola e a edição original saíu em 2001. A Dom Quixote, agora deglutida pelo voraz grupo de Paes do Amaral, deu-o à estampa no ano seguinte, traduzido.
Não sei que estranha sensação invade ao penetrar-se nas intimidades de um escritor laureado, mesmo daqueles de quem se passou a gostar: saber-lhe dos amores e dos terrores, a ilusão da infância e o pavor da velhice, as obsessões familiares e a congénita solidão.
António Lobo Antunes nunca se sente só quando está sozinho; a solidão dorida nasce-lhe quando das convivências que lhe roubam o tempo para escrever.
Sabendo-o escritor, escusava de ter querido sabê-lo pessoa, ainda por cima, através do seu próprio verbo.
Foi assim, com esse sentimento de devassa que o surpreendi na banalidade de conversar sobre si, como se numa vulgar bisbilhotice de falar sobre os outros.
Terminei e concluo: prefiro lê-lo, mesmo quando não gosto, no discurso indirecto que nele parece, aliás, sempre directo; é que a auto-biografia, no seu caso, não explica, apenas justifica e pouco.
Salvou-me tê-lo visto, entrevistado por Mário Crespo, em transposição de discurso: «o Mário escreve», diz ele, como se não dissesse «eu escrevo». Extraordinário.