Haverá quem o faça com facilidade, sem emendas, sem segundas leituras, indiferente aos erros factuais, escrevendo como sai, para ser lido como calhou.
Mas há aqueles que vivem cercados pelos censores do estilo, pelos críticos do modo de dizer, diminuídos pelas exigências inderrogáveis da sintaxe, ansiosos pela perceptibilidade do discurso, receosos da deselegância das repetições, ameaçados pelo excesso de adjectivação e pela impropriedade dos substantivos, avisados de que não tornem a dizer «afinal», e «enfim», podendo dispensá-los, e que não abusem do «um» não sendo caso de indeterminação nem daquelas horrendas frases começadas por «só que».
Como se isso não bastasse, qual rigidez senil a entorpecer o irrequietismo da mão criadora, há os que vivem sob o pavor de escreverem a data errada ou o nome mal citado.
Coitados desses escriturários. Cada linha deles é um acto de atrevimento, o livro que está escrito na sua cabeça é como se estivesse a ser ditado, monótono, palavra a palavra, sob a ameaça de palmatória, a gramática em frente, ao lado o dicionário, por ali espalhada a bibliografia de apoio, e por detrás, na escuridão das noites esgotantes, os olhos ferozes dos leitores cruéis, à espera da primeira gralha, à cata da primeira vírgula duvidosa, num «segue, segue», animador, o do chacal sobre a sua presa, e o pobre, coitado, martelando teclas, será que correcção se escreve com dois «cc's»?