Fui a uma feira do livro no átrio da estação de comboios da Expo. Ladeava-a uma feira de discos e de filmes. Falo de livros, embora tenha comprado uns filmes, para me reconciliar com o cinema em casa e tenha visto, sem comprar, uns discos que da próxima vou lá filar, como uns cantos japoneses acompanhados com o que, meio pitosga, me parecia um alaúde, entoados pelo que me parecia, e pus os óculos, uma geisha de fino requebro.
Uma feira é a oportunidade de encontrar livros inesperados, que o circuito de distribuição já não recebe. Porque hoje hoje o mercado livreiro gira na base da rotação de stocks. É gerido por gente que vem da banca, que sabe cálculo financeiro e de marketing editorial. Olham para a literatura na base de critérios de amortização de custos e de rentabilização de investimentos, frequentemente como forma de garantir o cash-flow quando a tesouraria aperta.
Mas uma feira é também uma caixa de surpresas. Ao lado da História das Orgias, de que o que menos interessa é o autor, vendem-se as 100 Maneiras de Cozinhar Bacalhau da prestimosa Rosa Maria. No meio, tímido lá estava, em amorosa edição da Frenesi, a narrativa dos sofrimentos dos padres, especialmente jesuítas, crúzios e capuchinhos, fidalgos, principalmente os Condes de Óbidos, da Ribeira Grande, de S. Lourenço, os Távoras e os Marqueses de Alorna nas prisões da Junqueira.
«A experiência tem mostrado que quanto maior é a miséria, maior o desamparo», diz-se numa folha que abri ao acaso agora que cheguei no meio de uma chuvada digna de Noé e sua barca. Grande frase, motivo sobejante para ler. Não digo já, porque tenho que trabalhar, preguiçoso embora, nem mais logo porque hoje é sábado.