Foi hoje, descia eu a rua, indiferente a que fosse aquela, alheio ao que ia fazer. E de repente um estranho pensamento acometeu-me, insólito, inesperado, sem lógica com o lugar ou propósito com o momento. Hoje, nesssa rua, uma qualquer rua de um qualquer lugar de um momento qualquer, dei comigo a pensar que em breve já não tenho 56 anos de idade, mas sim 57. São terríveis os números. Na sua simbologia oculta deles ressaltam pressentimentos trágicos, como se na sua ordem abstracta eles fossem uma forma de o futuro nos surgir, premonitório, na forma de presente. Todos temos, inconscientemente, a idade-limite além da qual já nos imaginamos possíveis. Em jovem, na adolescência quando desponta a barba e com ela os primeiros amores, era a melancolia solitária de não me supor além dos 35. E, no entanto, se invertesse os dígitos de um tal numeral, com optimismo e saúde, que nessa altura não nos faltam, podia projectar-me aos 53. Ah! mas hoje ainda, nesta madrugada em que escrevo, tenho 56 anos de uma idade em que, aplicando a mesma regra, não me inquieta a plausibilidade de chegar aos 65, só porque é possível o tempo suficiente para lá chegar. Só que dentro de umas semanas, a menos de um mês, com 57 anos, colocar-se-me-á, definitiva e inexorável, a aposta de mim com a minha subsistência, a agonia do será que chegarei aos 75. Foi hoje, descia eu a rua, uma rua qualquer, que esse estranho sentimento de me despedir do que rodeia surgiu, a meu lado como se fosse a minha sombra, esse reflexo difuso de uma vida que já foi. Quando tiver 61, volto a pensar no assunto, na esperança de então, reconciliado com o mundo e pacificado comigo, ter ainda a esperança de recomeçar.