5.4.06

Rebentar de vontade

Eu tinha um blog chamado «A Revolta das Palavras». Num dia de maré vaza do meu interior, apaguei-o. Quando, arrependido por dentro e a disfarçar desenvoltura por fora, quiz repô-lo, o sistema já não o aceitou. Por isso eu hoje tenho um blog que se chama «Revolta das Palavras». Ter ficado sem o «A» foi o preço que a blogoesfera me cobrou pela minha leviandade supressora. Ora quando eu tinha um blog que tinha um «A» escrevia lá coisas que hoje escrevo aqui. Graças à amizade de quem estima o que eu escrevo mais do que eu que as escrevo, salvou-se quase todo o apagado. Isto por exemplo teria vindo para este blog, caso eu na altura o tivesse. Aconteceu no dia 27 de Fevereiro de 2005: «Sexta-feira a noite e estava frio, a porta da livraria, semi-cerrada. Lá dentro, о velho livreiro fechava a caixa do dia. Hesitante, entreabri. «Já fechamos, mas enquanto eu estiver por aqui, esteja a vontade», Fiquei, menos à vontade do que seria possível. O livreiro enganara-se nas contas, revia agora, meticulosamente, verba a verba, na ofídia fita da caixa registadora. Sortilégio invulgar num negócio sem futuro, aparecera-lhe dinheiro a mais: numa vida destas, só podia ser engano. Havia que desfazê-lo e ir enfim para casa, dormir um sono aritmeticamente tranquilo.
Privilegiado por um favor, tentei apressar-me, no fundo eu fazia apenas horas para um jantar. Trouxe um livro.
Com о fim-de-semana a esgotar-se agora, abri-o há pouco, antes de vir aqui. É de Yvette Kace Centeno, um livro já antigo. Nele, uma linha que eu desejava ter vivido assim, em vez de como me sucedeu:
«Deixo-me ficar fechada em casa até não poder mais. Até rebentar de vontade de fugir».