19.2.08

Obrigadinho à mesma

Era o único táxi naquela praça deserta. Quando entrei ouvia a Sétima Sinfonia de Beethoven. Mais do que ouvir a Antena 2, o que é raro entre os taxistas, tinha saudades da Rádio Luna e dos carolas que a sustentavam a partir do Montijo para garantir um oásis de qualidade num mundo de mediocridade comercial.
Lamentámos durante o percurso a vergonha de o sinal da rádio clássica ser tão errático, tão sujeito a interferências, quando por ser da rádio pública devia ter mais meios para ser melhor, quando pela música que difundem qualquer ruído é uma agressão à sensibilidade do ouvinte. Quando chegávamos perto do meu destino dava-me conta do seu gosto pelo barroco. «Se o senhor não tivesse entrado no meu táxi, eu também estava bem», rematou-me à despedida, em jeito de amabilidade.
Fiquei a pensar nisso e na funda filosofia que a frase contém e no modo verdadeiro como a disse. Era o único táxi naquela praça deserta, fechado que estava no mundo em que o belo pode ser interrompido pelo abrir da porta por um inesperado freguês e com ele a entrada do banal e do boçal. «Mas olhe, amigo», rematou ao deixar-me, «obrigadinho à mesma, foi um bocadinho menos de música por um pedaço bom de conversa».