Vinha a chegar a casa quando ouvi no rádio: tinha falecido esta mesma tarde de chuva o António Alçada Baptista.
Ainda hoje tinha estado a falar nele, a propósito de O Tempo e o Modo, projecto para cuja viabilidade se endividou e que fundou em 29 de Janeiro de 1963, no dia em que perfazia 36 anos. Afeiçoada ao personalismo cristão, inspirada na Esprit, ela deu aos «vencidos do catolicismo» - a expressão é de um amigo seu, o João Bénard da Costa - a oportunidade de clamarem por uma visão eclesial e um outro ecumenismo, fazerem da fé uma militância social.
Estou em casa e em volta de mim espalham-se agora livros seus, editados pelo seu amigo Francisco da Conceição Espadinha, editor na Presença como ele o foi com a sua Moraes, chancela a quem a jovem poesia portuguesa tanto deve e que em 1972 foi forçado a vender, por ter nela gasto o que tinha e o que não tinha.
Li-os a esses livros porque me preparei para um entrevista que nunca chegou a conceder-me, então já a sua saúde precária, na qual lhe perguntava como era ao ter rompido com a advocacia, ele que largou o foro, refugiando-se na Literatura, quando sentiu que era, afinal «um porrete» que o seu cliente usava para maltratar, num processo de partilhas, um cunhado com quem se inimizara.
Morreu um homem bom. A sua passagem por este mundo foi a manifestação da sua generosidade e a expressão do amor ao próximo.
Num dos seus últimos textos escreveu: «vivi com Deus desde pequenino mas, à maneira que fui crescendo, ele foi mudando». A existir esse Deus, que nunca lhe «apeteceu deixar», ter-se-ão encontrado agora, terminada que está a sua peregrinação interior.