Se há algo nos meus dias que eu sinta valer a pena relatar é precisamente o tempo gasto a ler. Não que a vida própria não dê motivo de conversa e, comparando-me com o vejo por aí, daria mais motivo de escrita do que quantas vivências mortiças e banais de que tantos fazem tema de crónica, espremendo-se em busca de um si próprios mais do que seco e irrelevante.
A noite passada voltei ao Ruben A., ao interrompido volume terceiro do livro de memórias, O Mundo à Minha Procura. Quando parei para dormir ia ele no «absorver diário da natureza física através do lado sentimental da vida». Em Campo Alegre, no Porto.
Por andar envolto em Ruben A. fui espreitar, num intervalo para estirar os olhos, mais umas folhas da sua fotobiografia. Nas páginas finais desta publica-se uma entrevista ao ido jornal Diário Popular. Entrevista banal, feita de perguntas óbvias, coscuvilheiras, num momento a perguntarem-lhe como escrevia, quando escrevia e como escrevia. Ficou-me apenas a ideia da resposta merecida, a de que conseguia escrever em qualquer lugar, «mesmo com o barulho da estupidez a mover-se». Barulho ensurdecedor, diga-se.