7.1.09

O sangrar por dentro

Foi ele quem me ensinou que é possível escrever-se de modo breve. Um dia visitei-o em casa, ali junto à Basílica da Estrela. Bebericando uísque, descemos ao inferno de uma história sobre a qual estou hoje a traduzir um livro e já atrasado, fantástico acaso, com ele no pensamento. Ao chegar à rua, nessa tarde fria de um tão sentido encontro, senti-me tão bêbado que nem sabia onde deixara o carro. A vida tem destes momentos de magnificência. Felizmente há memória para se viver cada momento do tempo para além do tempo do momento.
Ora encontrei-o hoje, através de um livro onde arquivou trezentas das mil e quinhentas crónicas que cinco vezes por semana nos deixava no Diário de Notícias. Editado pela Contexto e eu, retardatário na cultura, distraído no reparar, que só há pouco tempo soube, por uma menção confessional das que fazem nódoa negra na pele, que é uma forma de se sangrar por dentro, que a Contexto era do Manuel de Brito!
Vinha isto a propósito de uma das colunas em que anunciou, por doença, o fim dos seus escritos. Com o fim à vista, Vítor da Cunha Rego escrevia, naquela forma plural de falar de si: «Faremos o possível por tornar normais esses cinco dias».