9.1.09

A branca madrugada

Nestes dias de frio polar o Homem apercebe-se de qualquer coisa profundamente errada estar a acontecer no mundo em que habita. Não que se não esteja em Janeiro, mas porque amanhã pode surgir, de um modo tão inesperado como este gelo, uma vaga de tórrido calor, chuvas de afogar ou uma seca sem fim.
Tudo parece condenado à única sorte fatal, inexorável e definitiva: a suprema lei do acaso gerar a inevitabilidade do caos.
Pó neste tumulto de elementos erráticos, o Homem apercebe-se, enfim medroso, de que pode ter pecado contra o equilíbrio do mundo, desorganizando as leis do Universo, arrostando a cólera da Natureza.
Ei-la agora a branca madrugada em que nas nossas metrópoles se descobre que há cada vez mais velhos, mais mulheres, cada vez menos famílias, um mundo de solidões, desencontros, de histórias de impossibilidades. Neste deserto humano de arranjos de ocasião, de vigílias noctívagas, faz agora tanto frio nas ruas como nas almas gélidas desses sem abrigo dos amores funestos.
Cumpre-se um ciclo, o homem e o seu habitat enfim indiferenciados, o mineral a assenhorar-se de tudo quanto ainda vive, o sol a empalidecer.