À medida que os anos passam e fazem estragos na memória, à medida que os livros vão sendo muitos e por vezes confundimos o que temos com o que gostávamos de ter, fica sempre em dúvida sobre não estaremos a comprá-los pela segunda vez.
Há vezes em que isso não importa. Já comprei um livro de memórias em edição encadernada porque a de formato bolso, que eu já tinha, editava menos fotografias e eu queria aquela fotografia. Já comprei um livro de aventuras pela segunda vez porque a nova edição tinha capa diferente e eu queria a capa. Já comprei uma biografia repetida porque esta tinha uma dedicatória. Já reincidi na compra de um livro por julgar que o perdera.
Hoje não. Na verdade eu hesitava se me teria alguma vez cruzado portas adentro com o controverso Ana Paula do Joaquim Paço d'Arcos. Ao chegar a casa vi que, aleluia, não tinha. É que comprei-o esta manhã. Mas, repito, espero que se acredite, isso era o somenos. O somais, como diria o outro que acreditava na congruência morfológica desta língua irregular, é que trouxe o livro porque, sendo a primeira edição, editada em 1938, ostentava, para além das manchas de bolor, aquela encadernação a pano, tão tipicamente colonial como a farda de um chefe de posto, e no interior o carimbo da Livraria Magalhães, no Lobito.
Na lombada, além do nome do livro e da obra, tal como nos livros do meu pai, o nome daquele a quem pertencera: Alda Corte Real. Quem seria? Onde estaria? Porque estaria ali a obra? Tanta tristeza num só livro, tanta vida por se saber.