E de repente tudo interage e se confunde, numa síncrese que dá sentido a quanto se viveu: foi a tristonha da Irene Lisboa, a autora da «Solidão», quem traduziu em 1958 «O Vestido Vermelho» de Stig Dagerman, o mesmo autor de um livrinho, editado pela Fenda, de quem ontem, sem pretexto, aqui falei, e que tenho aqui hoje, cedido amigavelmente, para que o leia, talvez pelo título «A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer». E é precisamente a propósito da Irene Lisboa que o Cardoso Pires, com quem há pouco e por acidente aqui estive, apelava em 1966 para uma «vigilante tristeza no meio da alegria» vendo-a então, morta, «interessar à Cidade». E é por ele, a esse respeito, ter falado na «necrofilia literária», a da recuperação dos mortos desprezados em vida e é, enfim, por ter sido sobre isso mesmo que há pouco eu escrevi, por tê-lo lido, já meio morto de cansaço, no Mário de Sá Carneiro, que glorifico o acaso e as surpresas que nos traz. É ele que, dando sim consolo à irracionalidade da vida, a ilumina feericamente com um fundamento que, de outro modo a vida já não teria.