O Chiado não sei porquê estava cheio de gente. Hesitei se seria sábado ou ainda sexta-feira, que estes feriados e dias santos e comemorativos e mais as pontes e as tolerâncias são uma espécie de desarranjo intestinal na vida mental de um citadino. Nisso quem vive entre o nascer e o pôr o sol tem menos aflições. Eu regressava de comer massada de peixe e foi isso que me devolveu a certeza que seria sábado.
Estava aberta a antiga Sá da Costa, entregue a saldos, a restos, a uma tristeza de adelo. Na frente, ao lado de um caixotão dedicado ao Pessoa, que mais parecia um esquife de luxo para um desgraçado que morreu ignorado, uma segunda edição da fotobiografia do Agostinho Fernandes, o homem que teve a generosidade de colocar a sua fortuna ao serviço da cultura, através da Portugália e de tantas outras formas de apoiar artistas e escritores. Portugal, o Portugal literário essencial não seria o mesmo sem ele.
Acontece que eu tenho receio de fotobiografias. Menos pela vergonha de encontrar nelas em torno do biografado - quantas vezes morto, outra tantas assim enterrado ainda vivo - a pulhice dos que se chegam pressurosos no seu roçarem-se em grupo nas exéquias obsequiantes, muito mais porque às vezes há vergonhas e descaramentos como o Mário Soares a prefaciar a do Ruben A. dizendo que mal o conhecia e pouco o tinha lido, mas mesmo assim aqui vai prefácio.
Não foi, porém, por medo que deixei lá ficar o livro, que me perdoe o Cruz Santos. Lembrei-me de uma história que dá para rir e que tenho de calar, sobretudo quando a menina da caixa, de cabelo à rapazinho e uns olhos que são uma carícia para quem lhos nota, me disse, a voz inocente e no mais indiferente, que eram quarenta e cinco euros.